Eram cinco minutos de vídeo. Mostravam como 50 mil cidadãos na Estónia acabaram com dez mil pequenas lixeiras espalhadas pelo país. Num único dia, 3 de Maio de 2008, fizeram o que custaria ao Estado três anos de trabalho e 22 milhões de euros.
O filme circulou no YouTube e em Julho do ano passado chamou a atenção de três portugueses - Nuno Mendes, Paulo Torres e Rui Marinho -, unidos pela paixão dos passeios em veículos todo-o-terreno. "O Nuno Mendes viu e mandou-nos", conta Paulo Torres, 50 anos, comerciante de Braga. "Eu respondi: "Vamos a isso"", diz Paulo Torres.
Passaram-se oito meses e amanhã mais de cem mil portugueses vão varrer o país, literalmente, libertando-o de uma das maiores chagas da sua paisagem: os depósitos ilegais de entulhos, electrodomésticos, plásticos, pneus e outros testemunhos históricos da falta de civismo. A ideia inicial transformou-se numa das maiores mobilizações colectivas de sempre em torno de uma causa ambiental.
Ironicamente, nenhum dos três fundadores do projecto Limpar Portugal pertence a uma associação ambientalista. "Não sou activista, nem pretendo ser", diz Paulo Torres. O movimento opera com uma estrutura informal, sem estatutos, nem burocracias, e sem dinheiro. Todos os apoios obtidos são em espécie ou em serviços.
O que fez a ideia alastrar como mancha de óleo foi a Internet. "Abrimos uma rede social e passados alguns dias tínhamos mais de mil pessoas dispostas a participar", afirma Torres. Até ontem, a rede social criada na plataforma Ning já tinha mais de 46 mil adeptos. Muitas inscrições são colectivas - juntas de freguesia, escolas, empresas. Por isso, esperam-se pelo menos o dobro de pessoas.
Jorge Amorim, empresário de Santa Maria da Feira, também teve a mesma ideia ao ver o filme da Estónia no YouTube e lançou-a em outra rede social, a Star Tracker. "Tive uma resposta muito rápida", afirma. No final, uniu-se ao movimento que já emergia mais acima, em Braga.
E a eles juntaram-se centenas de autarquias, empresas, associações, personalidades públicas - incluindo o Presidente da República, Cavaco Silva, e a ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, que ajudarão amanhã a apanhar o lixo que outros deitaram para o chão.
Internet foi essencial para divulgar o projectoO papel das redes sociais foi essencial. "Sem uma estrutura desse tipo, não teria sido possível", avalia Jorge Amorim. "Foi o poder da Internet", concorda Paulo Torres.
Foi também através da Web que o projecto já conseguiu localizar 13 mil lixeiras. A identificação é feita através de uma plataforma que já tinha sido desenvolvida por Cláudio Teixeira e João Paulo Barraca, dois investigadores da Universidade de Aveiro, na qual cidadãos podem assinalar problemas ambientais na sua área de residência, "Quando vimos qual era o propósito [do projecto], achámos que o nosso trabalho poderia equadrar-se perfeitamente", diz Cláudio Teixeira.
A organização também se desdobrou em contactos. O apoio de Cavaco Silva abriu muitas portas. Dezenas de empresas privadas e instituições públicas ofereceram-se para ajudar. A companhia Tranquilidade e o Instituto Português de Juventude ofereceram seguros. O GrupoGCI, da área da comunicação, apoiou nas relações públicas. A Tetrapak deu materiais necessários aos voluntários de Oeiras. A empresa Fuga e Evasão vai pôr monitores a fazer rafting para limpar lixeiras em zonas difíceis em Arouca. Muitas autarquias vão emprestar camiões e máquinas.
São apenas exemplos de um interminável universo de entidades que se associaram à iniciativa, contribuindo de uma forma ou de outra. Todos querem participar.
O Ministério do Ambiente mobilizou praticamente toda a sua estrutura para ajudar a limpar Portugal. Mais do que isso, publicou legislação especial - uma portaria - a isentar do pagamento de taxas os lixos recolhidos sábado e que sejam depositados em aterros ou incinerados.
O destino dos lixos - não se sabe ainda em que quantidade - será o ponto mais delicado da operação. As empresas públicas de gestão de resíduos aceitarão uma parte dos resíduos, sem cobrar nada. Mas a operação foge à normalidade e foi preciso alguma adaptação. A Valorsul, que trata dos lixos da cinco municípios da região de Lisboa, está em conversações com o projecto de Limpar Portugal desde Janeiro e criou um conjunto de regras a serem observadas.
O movimento foi pensado originalmente para limpar as lixeiras em espaço florestal. Mas acabou por se alargar para quaisquer casos. "Lisboa é uma das zonas do país com mais lixeiras referenciadas", afirma o informático Rui Cardoso, também envolvido na coordenação nacional do projecto desde o princípio.
Os voluntários estão organizados em grupos, criados na Internet. Mas o convite é para todos: "Quem quiser pode sair de casa amanhã com um saco para apanhar lixo da rua", diz Paulo Torres. "Não é preciso estar inscrito para participar".
(edição do Público - 19.03.10)